EXPOSIÇÃO DA SUA SITUAÇÃO DESDE A FUNDAÇÃO ATÉ APRESENTE DATA
Resumo Histórico do Orfanato.
No ano de 1798 chegou a esta cidade do Salvador, que naquela época era a capital do Brasil, a grande colônia portuguesa na América do Sul, o homem que pelo seu biógrafo foi denominado o “Vicente de Paulo biógrafo Brasileiro”. Seu nome era Joaquim Francisco do Livramento ou, simplesmente, “Irmão Joaquim”.
Filho legítimo do sargento—mor Thomaz Francisco da Costa e de Dona Marianna Jacintha da Victoria, naturais da ilha dos Açôres, nasceu na Vila do Desterro, hoje cidade de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, em 20 de Março de 1761.
Desde muito jovem, abandonando a carreira comercial a qual o destinara o pai, e obtida licença deste, a força de repetidos pedidos, consagrou sua vida ao serviço dos desvalidos por decidida vocação. Usando túnica escura, cingido por grosseira corda, trazendo ao peito a figura de cálice e hóstia em sinal de sua grande devoção, viajou a pé, percorrendo inicia1mente as províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e após perigos e trabalhos árduos de todo gênero conseguiu fundar um hospital para os enfermos de sua terra natal.
Considerando o sofrimento e os inúmeros perigos a que se acham expostos os meninos desamparados, resolveu empenhar-se pela fundação de asilos a fim de proporcionar-lhes a necessária instrução, alimentação e vestuário, recorrendo para isto, ora a caridade do povo, ora a generosidade do governo.
Assim sendo, ao desembarcar nas praias desta capital em 1798; e vendo o abandono em que viviam os meninos pobres desta terra, vagando pe1as ruas inteiramente ociosos, sem nenhuma educação e disciplina, dormindo pelas portas dos templos e adros dos conventos, resolveu desde logo socorrê-los, dando-lhes guarida e trabalho.
Vencendo obstáculos, peticionou no mesmo ano à Rainha D. Maria I, expondo a necessidade de recolher os órfãos desamparados, juntando um atestado do Senado da Câmara, uma representação de cidadãos notáveis desta capital, datada de 27 de maio de 1798 e informações do Governador Capitão General D. Fernando José de Portugal. Nesta petição tratou ele também de um hospital para os miseráveis enfermos incuráveis.
Por Aviso Régio de 14 de janeiro de 1799, o Príncipe Regente deu-lhe permissão de pedir esmolas para a criação deste Colégio e por Aviso de 17 de outubro de 1803, assinado pelo Visconde de Anadia no Palácio de Mafra, S.A. Real aprovou e autorizou o estabelecimento criado pelo Irmão Joaquim, e determinou que o governador o auxiliasse com todo o desvelo possível.
Em virtude desta real recomendação, e não oferecendo a casa primitiva cômodos suficientes, obteve o Irmão Joaquim em 4 de junho de 1804 — do Governador Capitão Genera1 Francisco da Cunha Menezes a administração da Capela São José de Riba Mar, na freguesia de Santo Antônio Além do Carmo. Tomou posse da capela e de seis moradas de casas anexas a 10 de Dezembro do ano seguinte e nela recolheu alguns órfãos, cerca de49. Impetrou a confirmação dessa posse que lhe foi concedida em 1807. Continuando a empregar seus melhores esforços pelo progresso do estabelecimento, conseguiu o Irmão Joaquim que por Carta Régia de 29 de dezembro de 1808 passasse a ficar sob a inspeção do prelado diocesano.
Em 1818, o Governador Conde de Palma, D. Manoel de Assis Mascarenhas, reconhecendo a grande utilidade e importância daquele asilo, lançou suas vistas para as ruinas do antigo convento dos extintos Jesui tas, conhecido como o “Noviciado”, situado na praia da Jequitaia, nesta cidade, bastante vasto e espaçoso para acomodar um grande número de meninos, e dirigiu-se ao príncipe regente pedindo a sua concessão.
Por esta ocasião a corporação do comércio havia promovido uma grande subscrição para solenizar a coroação do monarca reinante D. Joao VI, e apareceu então a luminosa ideia de aplicar-se apenas nos festejos o necessário para um solene Te-Deum, destinando-se a quantia restante para a reedificação daquele edifício, consignando-se, igualmente, fundo de $40.000,00 para os órfãos.
Obtida a concessão por Carta Régia de 28 de julho de 1819, escrita no palácio do Rio de Janeiro, continuaram as subscrições por toda a província para se obter o necessário com que levantar a casa das ruinas em que jazia.
Por aviso de 31 de julho de 1818 D. João VI já havia revogado a disposição da Carta Régia de 1808, que havia dado a administração do colégio aos Arcebispos, e ordenou que dali em diante ficasse sob as vistas e inspeção dos Governadores.
O Governador, Conde de Palma, por este mesmo aviso foi encarregado de regenerar a Casa Pia e organizar os seus estatutos.
Em 19 de agosto de 1819 foi eleita a primeira Mesa Administrativa, a semelhança da Santa Casa de Misericórdia, sob a presidência do governador Conde de Palma, com 12 irmãos, os quais deram imediatamente cada um C$1.000,00 para reedificação do edifício.
Os Estatutos foram redigidos pelo Juiz de Órfãos Francisco Carneiro de Campos e aprovados provisoriamente por Aviso de 17 de fevereiro de 1821.
Incumbido da tarefa da direção das obras de reedificação foi o negociante José Antônio Rodrigues Viana, “a cuja liberalidade e influência se deveu em grande parte o breve andamento de um tão interessante estabelecimento, recomendável até pela beleza e suntuosidade do edifício" (Inácio Accioli, Mem. Hist. da Bahia, vol.1).
O Rei concedeu licença para que, por espaço de 6 anos, corresse uma loteria, beneficiando as obras de reconstrução e o patrimônio dos órfãos.
Dispendeu—se com a reedificação perto de C$ 80.000,00, além de importantes ofertas de materiais que fizeram negociantes e pessoas abastadas desta capital e do recôncavo.
No dia 12 de outubro de 1825, aniversário natalício de D. Pedro I, fundador do Império Brasileiro, teve lugar a transferência dos 28 órfãos que existiam nas moradas de S. José de Ribamar, em procissão solene e pomposa, para o edifício reedificado, sendo Provedor da Mesa Francisco Jose Lisboa, e Presidente da Província João Severiano Maciel da Costa.
A instituição ficou com a denominação de Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim, para honrar a memória do seu instituidor.
O Irmão Joaquim não teve a fortuna de ver assim abençoada sua empresa. Entregando a administração do orfanato a um reitor em 1808, retirou-se para o Rio de Janeiro, onde mereceu a amizade de D. Joao VI que o encarregou de fundar outras instituições. Em 1826 embarcou para Lisboa em busca de padres para os seminários do Sul. Nada podendo obter em Lisboa em vista da emancipação política do Brasil, dirigiu-se para Roma onde seus padecimentos (ataques epilépticos a que era sujeito) se agravaram, e ele viu-se forçado a regressar, morrendo em Marselha, no ano de 1829, na idade de 68 anos, longe da pátria e dos seus queridos órfãos, por quem viveu lutando.
Entregues os destinos desta benemérita instituição aos cuidados de Mesas Administrativas que, desde então, se vieram sucedendo em renovação trienal, o orfanato chegou até o presente, atravessando, por vezes, dias bem difíceis.
Amparada principalmente pela caridade particular e pela criteriosa e honesta dedicação dos seus diretores, neste longo transcorrer da sua vida, a instituição, infelizmente, não tem sido devidamente amparada pelos Poderes Públicos, a quem, entretanto, cabe o encargo da assistência a infância pobre. Minguados têm os auxílios recebidos, anualmente, dos governos, e muitas vezes até relegados.
O seu patrimônio, desde a fundação, se vem constituindo com os legados e donativos particulares e com insignificantes sobras provenientes de rigorosa economia nos gastos, restritamente necessários para a manutenção dos menores abrigados. Assim o colégio tem vivido, sem poder alargar sua esfera de ação que fica limitada a alimentação, o vestuário e morada, e a instrução primária seguida do aprendizado de um ofício.
No decorrer dos anos de 1855 a 1857 tentou a Mesa Administrativa de então criar um pensionato, com o auxílio de urna Associação de Caridade que organizara, a fim de distribuir os benefícios da instrução por maior número de crianças. Essa tentativa, porém, teve curta duração, por inconveniente a boa ordem interna e a disciplina do colégio, voltando o regime de internato, somente de órfãos pobres, e assim se tem conservado até hoje.
Nas diversas classes sociais, por onde os ex-alunos se têm espalhado, no comércio, nas indústrias, nas profissões liberais, no exército e na armada e entre os artistas, felizmente contam-se por centenas os que, educados neste colégio, exerceram e ainda hoje estão exercendo suas atividades, como bons cidadãos, honrando a instituição que os amparou.
Houve épocas no passado remoto, em que o colégio proporcionava, segundo consta de documentos antigos, um curso completo de humanidades, incluindo cursos de ciências, latim, francês, alemão, inglês, desenho artístico, etc. ministrados por professores dos mais competentes, muitos dos quais, no entanto, eram voluntários sem remuneração. Ao lado disto recebiam os alunos o aprendizado um ofício, de conformidade com as suas aptidões e inclinações pessoais.
Hoje em dia o ensino elementar, primário, é ministrado por professoras remuneradas pelo Estado, em número de dez. Há aulas em separado de educação física, trabalhos manuais e música. O colégio possui uma banda de 40 elementos, bem ensaiados devido dedicação de um antigo mestre, a qual tem renome tradicional.
Origem histórica do edifício: Área. Instalações
Pelos anos de 1706 a 1710 um abastado comerciante de gado, um desbravador das terras do Piauí, Domingos Affonso, cognominado “Sertão” pelo fato de ter adquirido grande fortuna nas suas viagens pelo sertão, começou a edificar, na formosa praia da Jequitaia, na enseada da Bahia, um majestoso edifício com capacidade para 70 religiosos, que ficou chamado de “Noviciado” , e, concluindo-o em 1724 pelo custo de 70.000 cruzados, doou-o ao provincial dos Jesuítas do Colégio desta cidade, legando—lhes posteriormente as fazendas de gado que possuía nas margens do Rio São Francisco.
Depois da expulsão dos Jesuítas, em 1759, o edifício caiu em ruinas.
Já em 1798 o Irmão Joaquim Francisco do Livramento tinha em mira o antigo Colégio do Noviciado dos Jesuítas, porque em 10 de maio desse ano há uma doação feita por Theodoro Gonçalves da Silva e sua mulher, de C$ 8.000,00 e duas moradas de casas para a reedificação do Colégio.
O edifício está situado na freguesia do Pilar, tendo a sua frente uma praça do lado do mar.
Tem de extensão 75m. e 70” apresentando a porta da igreja no centro, (Vide fotografia frontal), duas laterais de entrada, oito janelas com grades de ferro no pavimento térreo e dezesseis portas com sacadas de grades de ferro no superior.
Tendo por base a extensão e linha da frente, segue para o fundo um quadrado fechado pela continuação da casa, com espaçoso pátio no centro, para o qual os corredores deitam suas janelas, e no pavimento térreo também suas portas
No fundo acresce de cada lado um alegrete com 10m. e 65”, vindo todo o edifício a ter de comprimento 90 metros.
No pavimento térreo estão a Capela e suas dependências, cravadas no centro do edifício; salões para oficinas, um espaçoso refeitório, cozinha, dispensa, banheiros e instalações sanitárias, quartos de serventes e depósitos, corredores.
No pavimento superior estão situadas a sala da Mesa Administiva, três vastos salões sociais para conferências e aulas, biblioteca, dormitórios, rouparia, enfermaria, aposentos de funcionários, largos e compridos corredores.
Todo o edifício é claro e bem arejado quer por seu elevado ponto, quer pela coleção de suas janelas e portas, e, dispõe de uma grande área de terra ao fundo, com saída independente, com abundante fonte nativa de construção antiga sobre pilares de alvenaria.
A capela é grande, com 3 altares a Romana, com o zimbório na capela-mor que a faz claríssima. O teto é obra do célebre pintor baiano José Theópolio de Jesus, falecido em 19 de julho de 1847 e autor de muitas outras pinturas em diversas igrejas.
Na sala das sessões encontra—se o retrato do Irmão Joaquim, mandado tirar em 1826, sem que e1e o soubesse, pelo pintor José Theóphilio de Jesus, além do retrato do Conde da Palma, e dos de benfeitores do Colégio. Nos diversos salões figuram outros retratos de beneméritos da instituição.
Devido ao estado de quase ruina em que se encontrava grande parte do edifício, foi necessário empreender vultosa obra de restauração que, diante da exiguidade de recursos com que luta a administração, infelizmente está praticamente parada. Acham-se, no entanto, restauradas a Capela e a ala principal do edifício (conforme assinalado na planta anexa).
O monumental edifício é tombado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o qual, no entanto, devido as sérias dificuldades financeiras que o país atravessa, não pode colaborar na restauração do prédio na medida do que seria de esperar. Tratando-se de autêntico palácio colonial, dos mais belos desta capital, conforme testemunham as fotografias anexas, tem ele a nobre finalidade de abrigar meninos pobres. Esta louvável destinação, como é fácil de compreender, traz consigo sérios problemas de conservação e preservação de suas características, dado os fins a que se propõe. Oficinas e movimentação de meninos não tendem a proteger um patrimônio histórico e sim desgastá-lo.
Caso houvesse recursos para isto, seria aconselhável reservar o edifício tombado apenas para salas de aulas, biblioteca, arquivo, auditório, secretárias, almoxarifado e outras atividades que evitassem sua dilapidação. Neste caso na grande área existente no fundo do velho edifício seriam construídas as instalações de seus dormitórios, sanitários, refeitório, cozinha e todas as oficinas de aprendizado.